sábado, 25 de setembro de 2010

Estou aqui hoje não pra fazer um post meu e sim deixar aqui uma linda história de nossas vidas, contada pelo nosso Tio piolho!




Estava de férias no Recife, na casa do meu pai. Era dia de reunião do Colégio Eleitoral. Foi aquela festa, todo mundo torcendo por Tancredo; a cada voto uma emoção. No momento que João Cunha anunciou o seu voto, selando a vitória de Tancredo,a vibração foi geral, a maioria foi às lágrimas de tanta alegria e emoção. Não era para menos: caía a ditadura. Confesso que tive medo de ter um troço, quem é gordo tem medo das grandes emoções. O dia 15 de março foi, portanto, para mim e para o povo brasileiro um dia de muita alegria. Um dia feliz.

No outro dia, 16, acordei lá pelas nove horas da manhã (quem tá de férias não tem horário). Depois do café fui à cidade comprar jornais e revistas e, também, esticar as pernas. Não sabia que aquele dia, ao contrário do anterior, não iria ser um bom dia.Levei comigo a minha filha caçula, Mira, minha fiel escudeira. Andamos muito, tomei umas cervejinhas e a menina uns sorvetes e quando foi lá pelas 12 horas voltamos. Quando chegamos ao prédio onde meu pai mora, notei que Major Wilson estava na grade da janela e pensei comigo: tá achando que a gente estava demorando muito. Porém quando entramos no apartamento notei que meu irmão Rogério (Bé) estava numa cadeira muito sério com a cabeça baixa junto com um colega. Como Bé não é um cara trancado e nem triste senti um "quê" no ar, tive um pressentimento ruim, mas desviei o pensamento, pensei: ele deve estar de ressaca por causa da alegria de ontem.Pai então me chamou à parte e disse: "Bé tá muito aperriado. Sucedeu um acidente, Pepeu caiu da janela do apartamento em Olinda.

A minha primeira reação foi de choque, senti aquela tranca que dá no peito da gente, aquele gosto amargo na boca. Aí perguntei medindo as palavras: "E... como está o menino? Está bem ou...?". O Major com aquela calma que lhe é peculiar respondeu que Pepeu estava na UTI do Hospital Português. Antes de continuar é preciso explicar quem é Pepeu. Seu nome completo é Pedro Wilson, é meu único afilhado (não sou muito católico), é filho do eu irmão Rogério (Bé) e de Elizabeth (Bebete), ela filha do saudoso Pedro Nogueira e de Dona Zilda.Pepeu é um desses meninos que cativam as pessoas à primeira vista: risonho,brincalhão, impossível, forte e muito bonito. Tem duas irmãs gêmeas, Vanina e Larissa, formam um trio fenomenal. Pois bem, era esse menino tão querido por todos nós que estava na UTI entre a vida e a morte. Depois do choque, fui acalmado por meu pai que é muito forte, mais calmo ouvi de Bé como aconteceu o acidente.

Eles moravam num apartamento em Olinda, um segundo andar de um prédio sobre pilotis, o que equivale a um terceiro andar. Como não havia aula naquele dia (Bé é professor de física) ele ficou com os meninos depois que Bebete saiu para o trabalho. As crianças vieram para o seu quarto e ele ficou brincando com elas. Após algum tempo ele resolveu ir tomar um banho e deixou as crianças brincando na cama de casal como sempre fazia. Mas, por infelicidade, a janela do quarto havia ficado aberta, e não tinha grades e o espelho da cama ficava do lado da janela.Não deu outra, Pepeu subiu no espelho da cama e alcançou a janela. Sentou no parapeito e disse: "A minha perna tá voando no vento". Uma das gêmeas quis subir na janela mas, felizmente, a outra não deixou, então Pepeu perdeu o equilíbrio e despencou da janela caindo no chão de cimento. Um jardineiro do prédio vizinho viu tudo desde o inicio, gritou tentando avisar alguém, mas em vão, ninguém ouviu nada, quis entrar no prédio mas este era totalmente fechado, o seu portão tinha, inclusive uma setas de ferro nas extremidades. O desespero do homem foi incrivel, até que viu o menino desabar no chão. com os gritos das gêmeas Bé saiu do banheiro às pressas, entou no quarto, as meninas apontaram para a janela dizendo que Pepeu havia caído, ele então desceu as escadas correndo, apanhou o menino que estava desmaiado e como um louco, de pijama, saiu correndo com ele nos braços; encontrou um taxi no meio do caminho e levou o garoto para uma casa de saúde de Olinda. Ali não havia condições de atendimento. Nisso chegou Bebete aos prantos. Chegou também uma ambulância e o menino foi conduzido para o Hospital Português, onde fora internado em estado grave, numa UTI, respirando arificialmente. Foi isso que Bé me relatou.

Quando cheguei ao Português a sala de espera da ala que o menino se encontrava estava literalmente tomada. Até o corredor estava cheio. Parentes, amigos, professores, alunos... lotaram a Unidade da Criança. O telefone tocava ininterruptamente: muita gente querendo saber notícias do garoto. Todo mundo preocupado e pensando o pior. Afinal de contas uma criança de dois anos cair de um terceiro andar, no cimento, e escapar, era negócio para milagre. E era pelo milagre que todos esperavam. E rezavam, começaram as promessas, as orações, as correntes. A primeira tomografia nada revelou. Os médicos falavam num edema (a pancada havia sido na cebeça). O problema no início era de respiração.

Eu sempre soube que Bé é um cara que faz muitos amigos. O que eu desconhecia era que a quantidade e a qualidade era tão numerosa e positiva. Principalmente por parte dos professores, notamente do Colégio CONTATO. Não era apenas uma solidariedade retórica. Mais tarde quando houve o problema do dinheiro (sem ele não há assistência médica de qualidade no Brasil) pude presenciar a solidariedade dos amigos e colegas, pareciam familiares de Bé. Houve um desses professores,Marcelo Mulatinho, por sinal arcoverdense, que, sendo médico, enquanto Pepeu esteve em risco de vida, ele não saiu um instante do seu lado na UTI. Foi de uma dedicação que impressionou a todos. Os estudantes tanto do Contato como de outros colégios fizeram o que foi possível: contribuiram com dinheiro, fizeram rifas, pedágios etc e coisa e tal. Presenciei atitudes que, sinceramente, me emocionaram, como o caso de um estudante descendente de japonês que doou a sua mesada dizendo que era tudo que tinha. Não foi o valor do dinheiro que emocionou, mas o gesto. Houve outros. Eles se multiplicaram.

Com o passar dos dias mesmo sem sensíveis melhoras fomos ficando mais otimistas. Quando retiraram o respiradouro e Pepeu pode, afinal, respirar normalmente as nossas esperanças redobraram. O único problema é que as pessoas que conseguiam entrar na UTI viam o menino se alimentando por intermédio de uma sonda, sem conhecer ninguém, raramente abrindo os olhos. Essas pessoas voltavam tristes. Havia também o medo que Pepeu precisasse ser operado. Os médicos ficaram desconcertados com um detalhe: como é que um menino cai do terceiro andar no cimento e não quebra absolutamente nada. Sim, porque afora uns pequenos arranhões no braço e na perna o garoto estava inteirinho, a pancada na cabeça não era visível. Então vinha a pergunta inevitável: esse menino caiu mesmo do terceiro andar no cimento? O outro grande medo, que ninguém ousava até pensar, era que Pepeu sobrevivesse mas que ficasse sem memória ou paralítico.

Depois de quinze dias Pepeu foi transferido da UTI para um apartamento. A novidade alegrou a todos. O grande problema era fazê-lo reconhecer as pessoas, dar sinais de vida. Ele ficava ali na cama com os olhos bem abertos e o olhar perdido.A gente batia palmas, ligava o rádio, a TV, falava o nome dele, das irmãs, da mãe, do pai, mas ele não respondia a nenhum estímulo. Às vezes, inconscientemente, ele olhava para um lado. e aí o pesoal se animava, era uma festa: Pepeu me reconheceu! A melhora era lenta, era preciso paciência. Dias depois mais uma boa notícia: os médicos tiraram a sonda e ele começou a se alimentar normalmente de caldo. Depois disso o menino começou a dar sinais de melhora: começou a gemer, a ficar irritado, impaciente.Até que reconheceu Bebete, quando ela saía ele começava a gemer, não chorava porque não podia, mas seus olhos se encham de lágrimas. Então os médicos decidiram que ele podia ser transferido para casa uma enfermeira poderia todos os dias aplicar os medicamentos, ela só viria ao hospital de 8 em 8 dias. Chegando em casa (uma nova casa porque os pais não quiseram nem ver mais o antigo apartamento) começou a verdadeira recuperação de Pepeu. Voltou a falar e a andar. No princípio gaguejando e se arrastando, caindo aqui e ali, mas batalhando, lutando, vencendo.

Certo dia Bé levou-o para o doutor Manoel Caetano (que cuidou dele desde o princípio). O médico não sabia, ainda, que Pepeu estava andando e falando.A surpresa foi grande. segundo ele é um dos únicos casos que já viu. Bom, aí o médico disse para o menino: "Pepeu chute a bola!". Queria testar os reflexos do menino. Pepeu olhou para o chão, não viu nada e perguntou a médico: "Cadê a bola?". O médico riu e então colocou um pequeno travesseiro no chão e mandou ele chutar. Pepeu deu um chutaço no travesseiro. O médico balançou a cabeça rindo e, quem sabe, sem acreditar no que estava vendo. Hoje ele está recuperado. É o mesmo menino alegre que contagia todo mundo. O doutor Marcelo Caetano ainda disse à mãe do menino: "A senhora é católica? ". Ela respondeu que mais ou menos. Ele então aduziu: "Reze, minha senhora, o caso do seu menino foi um milagre!".

Dia desses com um cabo de vassoura nas mãos ele gritou imitando o He Men: Pelos poderes de Pôra (ele sempre suprime um dos erres do palavrão) . Eu mesmo acho que foi um milagre. Graças a Deus. Nunca me esqueço que logo no início quando todos estavam perplexos poque o menino havia caído e não tinha quebrado nada, a minha filha, Mira, me disse: "Papai, foi a mão de Deus que amorteceu a queda de Pepeu". Acho que ela acertou em cheio.

P.S. Hoje depois de tanto tempo Pepeu é um professor talentoso, sempre alegre, fraterno, um cara dez. Tem mais: vi ser pai (de gêmeos). Grande Pepeu.


MUITO LINDO O QUE O SENHOR ESCREVOU TIO!

4 comentários:

  1. Lágrimas, lágrimas e só.
    Queria poder ter, nem que uma pedacinho da força da mãe e da imensa generosidade do pai.

    Agora as lágrimas vão dar lugar aos sorrisos
    E escuta o que eu digo:
    Se puxarem as madrinhas,
    essas figurinhas vão dar um trabalho!

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